Bilionários cansaram de fingir que se importam com a diversidade
Dar oportunidades a grupos historicamente discriminados custa pouco e rende muito. Ainda assim, as maiores empresas do mundo não estão a fim
“Homens brancos competentes devem estar no comando para que as coisas funcionem. Infelizmente (a) ideologia (dos EUA) é dedicada a mimar mulheres e minorias, e a desmoralizar homens brancos competentes.” - Darren Beattie, ~jornalista~ de extrema direita que costuma frequentar encontros de supremacistas brancos. Beattie foi indicado há pouco para um alto posto no Departamento de Estado dos EUA por Donald Trump.

Há pelo menos um ano, o noticiário sobre sustentabilidade corporativa vem abordando, de forma meio apocalíptica, o que se convencionou chamar de “o fim do ESG”. Em resumo, são informes sobre o retrocesso nos investimentos de grandes empresas em ativos e/ou projetos ligados ao meio ambiente (E), à sociedade (S) e à governança corporativa (G). O movimento foi puxado pela Blackrock, a trilhardária (sem exagero) gestora de investimentos que, desde 2018, vinha recomendando a adoção de critérios ESG nas estratégias de investidores e de empresas.
Vinha recomendando - pretérito imperfeito -, pois, no começo de 2024, a Blackrock deu pra trás e retrocedeu em sua promoção pública da sustentabilidade… substituída pela “resiliência financeira”. Daí começou toda a conversa de fim da onda ESG. Transparência na gestão, mitigação de impactos ambientais, investimento em projetos sociais, adoção de energia renovável: tudo isso é muito bonito e faz bem para a imagem, mas cadê o $? Mesmo empresas e investidores institucionais focados em longo prazo parecem não ter mais a paciência para esperar que suas estratégias ESG comecem a dar lucro de verdade.
Descontadas as especulações, ao menos uma vítima parece ter sido alvejada fatalmente nesse tiroteio: a diversidade. Algumas das maiores empresas dos EUA (Meta, Walmart, Ford, McDonald’s, Target, John Deere e, quando eu estava dando os retoques finais neste post, o Google também) aproveitaram a maré para cancelar total ou parcialmente suas políticas de diversidade, equidade e inclusão (DEI). Ou seja, o fim de ações como reserva de vagas para grupos minorizados, equipes internas de letramento sobre etnia, gênero e orientação sexual e metas de inclusão de mulheres e pessoas pretas em cargos de liderança, entre outras.
(No Brasil, já apareceu gente graúda embarcando na canoa. E chegando a usar o patético termo woke para se referir a iniciativas de DEI. Prudentemente, a manifestação rolou via fugazes Stories no Instagram. Mas a internet não esquece. Pelo menos, não chegou ao nível daquele rapaz célebre pela frase “Deus me livre de CEO mulher”.)
A tendência tem claro viés ideológico. A diversidade (ou melhor, o respeito e o tratamento igualitário dado a grupos que fogem do estereótipo homem-branco-heterossexual, incluindo medidas compensatórias pela discriminação histórica sofrida por esses grupos) sempre foi uma bandeira progressista. Militantes de direita nunca aceitaram o conceito, pois ele se choca com o arquétipo reacionário do cidadão-de-bem-e-seus-valores-ocidentais, visto como único modelo aceitável - ou, pelo menos, como o topo natural da hierarquia social.
A falácia da crença na meritocracia, as críticas às cotas raciais e sociais e a expressão “todas as vidas importam” nascem daí, como argumentos contra movimentos que buscam equalizar as oportunidades negadas, por séculos, a grupos vulneráveis. (Quem não lembra da infame piada do “verdes claros na frente, verdes escuros atrás?”).
A largada para a corrida anti-DEI nos EUA foi autorizada pela Suprema Corte (de maioria conservadora), que em junho de 2023 desautorizou as universidades americanas a aplicarem medidas de ação afirmativa na admissão de candidatos. Era uma batalha de mais de 50 anos da direita ianque, sempre escorada na ideia de que o incentivo à diversidade era, na verdade, desculpa para negar oportunidades a pessoas brancas (e, mais especificamente, a homens brancos). De lá pra cá, rapaz, o negócio escalou rápido, como diria Ron Burgundy. A ponto de, confrontado com um catastrófico acidente aéreo acontecido em janeiro, o presidente Donald Trump ter culpado “a diversidade” pela tragédia.
No entanto, o buraco é bem mais embaixo. Uns 500 anos mais embaixo. Vamos desenhar pra ver se o pessoal entende.

Na famigerada entrevista concedida ao podcaster Joe Rogan, em janeiro último, Mark Zuckerberg sumarizou a lógica por trás da guinada: falta “energia masculina” no mundo corporativo. Ainda que, entre as 500 maiores empresas dos EUA, quase 90% delas sejam comandadas por homens. (No Brasil, pesquisa recente apontou um percentual ainda maior.) No recorte de etnia + gênero, cerca de 86% das 500 companhias tinham homens brancos como CEOs. Podem faltar muitas coisas ao mundo corporativo nos EUA. Masculinidade, heteronormatividade e branquitude sobram.
Indústria, comércio, agronegócio, mercado financeiro, política, justiça, forças armadas, religião, produção cultural, comunicações, ciência & tecnologia, academia, plataformas digitais - tudo isso é comandado, desde que o mundo é mundo, por homens (em geral, homens-brancos-heterossexuais). Mas na realidade alternativa percebida pelos reacionários, acontece o inverso: o homem branco é a verdadeira minoria perseguida e discriminada.
Aí reside a ironia - e a crueldade - da luta aberta das corporações contra a diversidade. Das 500 maiores empresas citadas acima, nada menos que 485 têm metas formais de estímulo à DEI. Sabe por que? Porque a relação custo-benefício do investimento em DEI é muito positiva. Custa praticamente nada para uma grande empresa divulgar uns compromissos públicos, bancar umas palestras sobre diversidade, editar um guia de linguagem inclusiva, reservar umas vagas para mulheres, pretos, LGBTQIA+. Custa praticamente nada, afeta praticamente nada e rende um lustre bacana na imagem pública da companhia.
Mesmo que o CEO acredite em nada disso e só esteja interessado nos resultados do trimestre, é uma aposta pequena, com risco zero e grande potencial de impacto positivo. No fim das contas, muito pouco mudará no curto e no médio prazo. Compensar os séculos de segregação racial, sexismo e homofobia estruturais que atrasaram a vida das pessoas “diversas” é um trabalho que vai varar gerações. Em nome da boa imagem da empresa, vale a pena para os 430 & tantos homens brancos na lista da Fortune 500 ao menos fingir que se importam.
O recado mandado pelas grandes empresas dos EUA, ao se oporem ativamente às ações de DEI, é inequívoco: os bilionários cansaram de fingir que se importam. Mesmo com tanto a ganhar, em troca de tão pouco.
As empresas e seus dirigentes são tão reacionários que nem mesmo fingirem que possuem um minimo de comprometimento social querem mais. Nada de novo sob o capitalismo.
Basicamente