As feias verdades de Natalia Beleza
Coluna da empreendedora na 'Folha de S.Paulo' serve à visão de mundo reacionária propagada pelo jornal

Desde a não-reeleição de Bolsonaro em 2022, a imprensa mainstream brasileira vem caminhando para a direita. Cada grupo em seu caminho, com sua própria velocidade, mas sempre rumo à direita. Nesse contexto, nenhum veículo acelerou tanto quanto a Folha de S.Paulo. Após a morte de Otávio Frias Filho, em 2018, e a subsequente guerra pelo comando do Grupo Folha vencida por Luiz Frias, o carro-chefe do jornalismo do Grupo vem sorrindo de modo cada vez mais aberto para o conservadorismo.
Até aí, nada. Surpresa seria se o porta-voz da opinião de uma das famílias mais ricas do país demonstrasse alguma tendência progressista. Nessa ofensiva a estibordo, o jornal vem usando sua seleção de colunistas como ponta de lança. (Prevenção alguma contra os colunistas da Folha, tenho até amigos que são.)
É por essas & outras que, em nome da ~pluralidade~ de ideias, encontramos no diário regularmente textos da Vovó Ancap, daquele jornalista ianque que virou a casaca, de um especialista na nova estética sertaneja, do rapazinho que defende a livre venda de órgãos, do pesquisador do universo evangélico, do “filósofo” que culpa a esquerda por tudo, da doutora que culpa o ~politicamente correto~ por tudo, do doutor que culpa o Lula por tudo.
Claro que nem só de conservadores/anti-esquerdistas/reacionários se compõe o elenco, mas a Folha sabe bem qual tipo de conteúdo costuma se destacar na economia da atenção contemporânea. Como, por exemplo, bilionários reclamando da população que recebe Bolsa Família.
Agora, pra mim, não há colunista da Folha mais fascinante que Natalia Beauty. A começar por seu nome. Mais que um pseudônimo artístico, é um título, uma carta de intenções. Ao descartar o prosaico “Martins” pela palavra “beleza”, Natália agregou uma característica aspiracional a sua apresentação, um valor intangível e conceitual - a própria ideia de beleza. E por que em inglês? Ora, é mais chique.
Hoje “multiempreendedora internacional, empoderadora de mulheres e influenciadora digital,” Natália ̷M̷a̷r̷t̷i̷n̷s̷ Beauty não teve um caminho fácil até o topo. Depois de arrancar muitos cílios de madame em bairros nobres de São Paulo, inventou uma técnica de micropigmentação de sobrancelhas que a deixou rica e a levou, vejam só, a uma apresentação em Harvard! (Não na universidade, mas no clube privado para alunos da instituição. É um detalhe, mas um detalhe convenientemente suprimido na bio.)
O sucesso de Natália nos negócios merece aplausos, mas não é o meu foco aqui. E sim as colunas que ela vem publicando na Folha: exemplos radicais da visão de mundo que, nos últimos anos, o jornal tem apresentado a seus leitores. Com uma clareza e uma sinceridade que, outrora, eram típicas apenas dos sociopatas, a empresária celebra um capitalismo tardio no qual inexistem a empatia, o equilíbrio vida/trabalho, o bem-estar social e o senso de coletividade. É a ideologia típica dos ricos que, assumidamente ou não, convivem muito à vontade com a lei da selva defendida pelo bolsonarismo à guisa de ordenamento social.
Muitos desavisados compartilharam, indignados, a coluna de La Beauty publicada em 09/06. Dá pra ler aqui, sem paywall. Diante da profusão de reportes alarmantes sobre o impacto da inteligência artificial no mercado de trabalho, Natalia decreta, impávida, sem medo de ser feliz: “Eu prefiro um robô a um funcionário preguiçoso”. O resto do texto tem mais pérolas que uma fazenda de cultivo de ostras.
“(A IA) está fazendo o trabalho sujo que muitos líderes não tiveram coragem de fazer: eliminar o peso morto.”
“Chega de romantizar a preguiça.”
“O mercado não deve satisfação para quem não se mexe.”
“Vamos ser diretos: a empresa não é ONG.”
“A IA (…) está matando a desculpa e a cultura da mediocridade protegida por um verniz de empatia fake.”
Natália Beleza, claro, também é influenciadora digital e confere palestras nas quais repete todos esses conceitos aí em cima e mais. Uma olhadela nas chamadas de suas colunas permite vislumbrar toda a história. O puro suco do empreendedorismo tóxico, com pitadas generosas de ~incorreção política~. Receita ideal para uma coluna da Folha, com aspas contundentes e formatadas para gerar compartilhamentos irritados. (Como este post. Pelo menos eu dou o link sem paywall.) E ainda servir de munição na guerra cultural, aquela que não pode ser vencida, pois o inimigo não existe.
Vamos ser diretos. O candor de Natalia pode ser surpreendente; suas ideias, nem tanto. Não depois de tudo que vimos se passar neste país e no mundo desde 2018 (16?). Não depois da adesão incondicional do ~mercado~ e do agronegócio a Bolsonaro. Não depois das falas de Roberto Justus e Junior Durski. Não depois do “eu votei no Paulo Guedes”. Não depois que os homens mais ricos do mundo decidiram que promover a diversidade é errado.
Tudo que NatBeauty vem escrevendo é o que se passa na cabeça do 1% brasileiro. Aquela galera que, como escreveu o Gaspari na mesma Folha, confunde conservadorismo com atraso. Nesta longa jornada de conteudista corporativo, já ouvi CEOs, empreendedores, economistas, consultores e investidores assobiando a mesma melodia em entrevistas, palestras e PPTs. A surpresa é perceber que a máscara caiu, e o que era comentado em salas de reunião agora rende coluna de jornal. Os ricos não têm mais vergonha de assumir sua ganância e seu descompromisso com a sociedade. Para a Folha, essa atitude é apenas uma questão de opinião. E não de caráter.
Não existe mais a necessidade de fingir que não são sociopatas, agora eles perceberam que ganham admiradores com isso.
A desvalorização dos profissionais alegando " preguiça " é vergonhoso, de fato a era bolsonarista deu voz para empresários se colocarem em um altar!!!